Morgana Narjara/SecultPE/Fundarpe
O percussionista Gilú Amaral
A experiência exalada por mais de cinco décadas musicais do Quinteto Violado junta-se ao frescor da nova geração de artistas do improviso para compor a programação do Panela do Jazz, um dos principais festivais do gênero no Nordeste. O evento retorna este ano após um hiato sabático no Recife, em 2023, robustecido por uma grade repleta de atrações prestigiadas na região e nos palcos Brasil afora, e mantém a mescla de linguagens artísticas para fazer das ruas do bairro do Poço da Panela – berço e casa desde a origem – a passarela festiva de todas as artes, pessoas e formas de afeto cultural pela cidade. A edição de retorno está marcada para o dia 19 de outubro e prevê mais de dez horas de atividades visuais, cênicas, musicais e de empreendedorismo com acesso inteiramente gratuito para públicos de todas as idades.
A primeira atração a subir ao palco é Neris Rodrigues e o Trombonando, às 17h. A grade segue com a apresentação de Laís de Assis Trio (18h30), Duo Repercuti (com o show Duo Repercuti Convida Tambores da Xambá, 20h), Gilú Amaral (21h30) e encerra com o show do Quinteto Violado Instrumental (23h) – apresentação ocorre em plena véspera de aniversário de 53 anos do grupo, um dos mais longevos do Estado e do Brasil, e ganha contornos de comemoração. As performances musicais são seguidas, nos intervalos, pelo som comandado pelo DJ Ari Falcão, com execução de standards do jazz por meio de discos em vinil.
A quinta edição do Panela do Jazz tem patrocínio da Caixa Econômica Federal e do governo federal. Conta com o apoio do Governo do Estado de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). O evento realizou a primeira edição em 2018, realizou uma versão inteiramente virtual durante a pandemia da covid-19 e já chegou ao município de Triunfo, no Sertão do Estado, com performances musicais, atividades formativas e ações de valorização dos músicos da região.
A retomada em 2024 renova também a proposta urbana do Panela do Jazz de fazer da ocupação das ruas da cidade um momento de reflexão sobre o uso democrático do espaço público e da integração harmônica com o meio ambiente e o fomento econômico da região onde o evento é realizado. O festival contrata mão de obra local e providencia estrutura para comércio de moradores e empresas sediadas no bairro – com oferta de gastronomia, artesanato e de outras linguagens para dinamizar o acesso à arte e ao desenvolvimento de forma sustentável e integrado.
Além do cinquentenário grupo Quinteto Violado, a personalidade homenageada deste ano é Capiba, gênio do frevo e referência para todas as gerações de músicos pernambucanos – e até brasileiros – pelo legado musical pontuado pelo domínio do improviso e pela aura contagiante das composições revisitadas, sobretudo, durante os Carnavais. O músico, pianista e compositor pernambucano Lourenço de Fonseca Barbosa, da agrestina Surubim, nasceu há exatos 120 anos e legou à cultura do Estado pérolas como Madeira que Cupim Não Rói (1963), Oh, Bela (1970) e De Chapéu de Sol Aberto (1972), entre muitos outros sucessos.
A exaltação do frevo no tributo ao mestre escorre para as masterclasses promovidas pelo Panela do Jazz, de 15 a 16 de outubro, no Paço do Frevo, no Bairro do Recife, das 14h às 17h: Do Choro ao Frevo (harmonia funcional), na terça-feira, e A Improvisação em Arranjos de Frevo, na quarta-feira. A primeira aula é conduzida pelo compositor, arranjador, professor e diretor musical Marco César; e a segunda pelo baixista, compositor, arranjador, diretor musical e pesquisador Marcos FM. Ambas se destinam ao público em geral – com prioridade para estudantes da rede pública de ensino – e se propõem a estimular o conhecimento e a formação sobre a cultura local, principalmente entre as parcelas jovens da população.
A programação do dia do festival começa com o lançamento e a abertura da feira Olegarinha de Artes da Mulher (14h), voltada à economia criativa e ao empreendedorismo feminino e sob curadoria da designer e chef Cecília Montenegro. O espaço presta homenagem à abolicionista e ícone da luta pela emancipação feminina Olegária Carneiro da Cunha, conhecida como Mãe do Povo por organizar bazares e outras atividades para arrecadar fundos e custear cartas de alforrias de escravizados na região. As inscrições para participar podem ser feitas pelo link na bio do Panela do Jazz no Instagram.
A exposição Momento, concebida e montada pela fotógrafa francesa radicada no Recife Dominique Berthé e pelo artista plástico Imaraí Freitas, é uma das opções acessíveis ao público do festival – a mostra na casa-ateliê dela (Rua Álvaro Macêdo, 70) fica aberta das 16h às 20h do sábado. As obras versam sobre trajetória, criações, expressões e linguagens da artista.
O festival recria o encantamento bem-humorado dos artistas circenses de edições anteriores com uma tripla apresentação, a partir das 16h30, para crianças e adultos. A Palhaça Vareta exibe o espetáculo Desentupirada, com situações cômicas e inusitadas vivenciadas pela palhaça tomada por uma dor de barriga pouco antes de dar início ao show, com contorcionismo, malabarismo, equilibrismo e música.
Às 17h30 é a vez do Palhaço Gambiarra fazer a performance de Um Curto-Circuito de Risos, um passeio pela contação de histórias e pelos brinquedos populares a partir de vários números. As apresentações circenses são encerradas com o espetáculo Meu Circo, da companhia homônima, às 18h30.
O fim de tarde é marcado pela exibição do Projazzções, incursão artística com a ideia de combinar harmonicamente imagens e músicas por meio da projeção de fotografias em sintonia com standards do jazz nacional e internacional. A proposta do fotógrafo Anderson Steves e do DJ Ernesto Jr. é evidenciar o diálogo e a sinergia criada pela combinação de vertentes artísticas de apreciação sensorial diferente – visual e auditiva.
“O Panela do Jazz tem uma preocupação permanente com a valorização da cultura brasileira e da cena instrumental por meio do jazz e da ponte com outras musicalidades nacionais e estrangeiras. É um evento para cultivar a relação com as múltiplas linguagens da arte e instigar a ocupação da rua, da cidade pela população”, resume o idealizador e diretor-geral do evento, o produtor cultural Antonio Pinhêiro.
Confira os resumos dos shows:
A homenagem ao mestre Capiba atravessa as apresentações do Panela em 2024, com influência dos improvisos do frevo e do jazz a cada performance sobre o palco.
Neris Rodrigues e o Trombonando – O show Música do Mundo esmiúça a trajetória do jazz no Brasil e se debruça sobre as fusões com frevo, coco, agueré, funk, música ancestral árabe e percussão afrodescendente. A apresentação mescla sons em percurso pela ideia de brasilidade e prepara um número especial à base de frevo em tributo a Capiba.
Lais de Assis Trio – A violeira, arranjadora, pesquisadora e arte-educadora pernambucana criou uma linguagem própria à frente do instrumento de corda e usa como inspiração o universo sonoro nordestino e as ancestralidades. O show em trio tem o acompanhamento da tuba de Alex Santana e da percussão de Nino Alves com improviso inspirado na sonoridade regional.
Duo Repercuti – O show Duo Repercuti Convida os Tambores da Xambá faz uma celebração da música afro-pernambucana e brasileira com a proposta de uma experiência musical inédita a partir de arranjos específicos das composições do primeiro álbum. O espetáculo se define como símbolo de resistência e identidade cultural.
Gilú Amaral – Com o recém-lançado álbum O Sopro e a Percussão, o habilidoso percussionista pernambucano exalta a força sonora dos metais na música pernambucana e a conexão com ritmos e gêneros no cenário internacional. A apresentação atravessa o regional com improvisações típicas do jazz sob influência de Moacir Santos, Hermeto Pascoal e Naná Vasconcelos.
Quinteto Violado – Grupo icônico da música nordestina e brasileira, com 53 anos de existência, o Quinteto faz da música regional e da pesquisa o material de trabalho das apresentações. A sonoridade própria estabelece conexões com a musicalidade universal e celebra o cosmopolitismo da arte com absorção da contemporaneidade e improvisações jazzísticas, do popular ao erudito. A apresentação no Panela do Jazz enfatiza a faceta instrumental do grupo.