Foto: divulgação
Performance Rojas aconteceu no Recife-PE
Em processo investigativo que dialoga com mulheres das quatro macrorregiões de Pernambuco, com ações no Recife (RMR), Goiana (Zona da Mata), Caruaru (Agreste) e Afogados da Ingazeira (Sertão), o projeto de pesquisa “Com-dor, mas sem medo: mulheres, memória, performance e política”, conduzido pelas artistas e pesquisadoras da dança e da performance Silvia Góes e Roberta Ramos, propõe uma escuta crítica, sensível e performativa das memórias de mulheres que vivenciaram o contexto das ditaduras cívico-militares sul-americanas. A etapa empírica da pesquisa se desenrola ao longo dos meses de maio e junho de 2025, com rodas de conversa, oficinas presenciais e on-line, e a culminância do projeto, que será uma apresentação pública dos resultados, englobando relatos, laboratórios e apresentação de registros em audiovisual, buscando conexões entre a história coletiva e as vivências singulares de mulheres que atravessaram, direta ou indiretamente, os efeitos das ditaduras cívico-militares na América do Sul, orquestradas, por exemplo, pela Operação Condor.
O projeto, de natureza prático-teórica e com finalidade artística futura, parte de um marco comum às pesquisadoras Silvia Góes e Roberta Ramos: ambas nasceram em 1975, ano simbólico em que teve início a Operação Condor, intensificou-se a repressão política na América Latina, e ao mesmo tempo emergiram importantes movimentos feministas no Brasil e outros países da América Latina, além da oficialização do Dia Internacional da Mulher pela ONU.
A Operação Condor foi uma aliança repressiva firmada em 1975 entre os Estados Unidos e as ditaduras militares do Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina. O pacto visava a intensificar o controle e a perseguição a grupos e partidos de esquerda nesses países, instaurando um sistema articulado de vigilância, sequestro, tortura e eliminação de opositores. Professores, estudantes, artistas e militantes passaram a ser rotulados como “subversivos” e se tornaram alvos preferenciais do regime. O saldo dessa articulação foi trágico: milhares de mortos e desaparecidos, cujas histórias continuam a ecoar como feridas abertas na memória coletiva latino-americana.
É a partir desse contexto histórico e do entrelaçamento das experiências autobiográficas que o projeto investiga memórias de mulheres, documentos, obras artísticas e experiências afetivas ligadas ao recorte da década de 1970, lançando um olhar contemporâneo, feminista e performativo sobre esse período. Ao final do processo, será produzido e disponibilizado um registro audiovisual que irá sintetizar as vivências, as memórias e as experiências partilhadas ao longo do percurso.
“A nossa pesquisa nasce do desejo de olhar criticamente para o passado a partir do presente que habitamos como mulheres, artistas e pesquisadoras. Ao conectar nossas histórias de vida com as memórias de outras mulheres atravessadas pela ditadura e pela resistência feminista, buscamos construir, através da arte e da escuta, uma historiografia sensível, afetiva e performativa. É um exercício de reencontro com o que fomos e do que ainda podemos ser juntas”, expressam as artistas e pesquisadoras da dança e da performance Silvia Góes e Roberta Ramos.
A pesquisa conta, ainda, com a orientação do professor e diretor de teatro Rodrigo Dourado, que aporta sua experiência em teatro documental, biodrama e estudos de gênero, e com articulação regional de Karuna de Paula, historiadora, pesquisadora e produtora cultural, responsável por estabelecer pontes com mulheres e organizações feministas nas cidades das quatro macrorregiões envolvidas.
As atividades práticas da pesquisa nas cidades da Região Metropolitana do Recife e do Interior de Pernambuco têm parceria com instituições do Recife, sob a coordenação de Karuna de Paula e colaboração de Dani Goberto; de Goiana, com coordenação de Ane Rôse; de Caruaru, conduzida por Raquel Santana; e de Afogados da Ingazeira, com a facilitação de Uilma Queiroz. Mulheres interessadas em participar e se inscrever gratuitamente podem entrar em contato com as pesquisadoras através do e-mail: [email protected].
O calendário de ações inclui:
Rodas de Conversa com mulheres nascidas na década de 1970, que serão convidadas a compartilhar suas memórias e perspectivas sobre o passado e o presente (dias 03 e 04 de maio, das 10h às 12h);
Oficinas presenciais com as artistas da dança e pesquisadoras, que funcionarão como espaço para experimentação e partilha de práticas de memória e performance, a partir de laboratórios práticos que foram experimentados pelas pesquisadoras, envolvendo metodologias de improvisação, biodrama, teatro documental e autobiografia (dias 10 e 24 de maio, das 10h às 13h, na UFPE/CAC);
Oficinas on-line com as artistas da dança e pesquisadoras (11 e 25 de maio, das 10h às 12h);
Apresentações públicas do resultado da pesquisa e roda de conversa com as artistas e pesquisadoras (dia 14 de junho, em local a ser divulgado em breve, e das 16h às 18h).
As artistas se aprofundam em como o corpo pode ser um território de resistência e reexistência. Silvia Góes, desde sua estreia com “OSSevaO” (2011), explora a relação entre história e biografia em suas criações. Em 2019, apresentou a performance “Eu, tu, elas e Brecht”,que já integrou eventos como o TREMA Festival e a Semana da Luta Antimanicomial. Já Roberta Ramos, professora da UFPE e pesquisadora do Acervo RecorDança, se dedica há mais de uma década ao desenvolvimento de uma historiografia da dança performativa e emancipatória, tendo realizado pós-doutorado em instituições no Brasil e na Europa. Como parte de seus experimentos historiográficos, construiu o solo Brasilogia (2016), com uma discursividade crítica sobre o contexto político brasileiro daquele momento. No Coletivo Lugar Comum, concebeu e fez a dramaturgia, além de compor o elenco, da performance e intervenção urbana Motim (2015), cujo caráter político consistia em defender a importância micropolítica do riso. E, ainda, em uma pesquisa que antecedeu Com-dor, mas sem medo, a artista chegou a apresentar, no Trema! festival, uma palestra-performance intitulada Essa Menina (2021), uma parceria entre o Coletivo Lugar Comum e o Teatro de Fronteira, com direção de Rodrigo Dourado.
“Com-dor, mas sem medo: mulheres, memória, performance e política” busca reconstruir narrativas silenciadas, aproximando vozes e histórias de mulheres que viveram ou herdaram os impactos das ditaduras. Através da arte e da escuta, o projeto aposta na força coletiva da memória e da performance em dança como instrumentos de resistência, cuidado e transformação social.