Comunidade agrega aproximadamente 700 pessoas atualmente
Por Andréa Almeida
Em um lugar isolado, a 19,75 km do centro de Buíque, no Agreste de Pernambuco, o tempo é sentido diferente, há uma outra relação com a existência. Não se sabe ao certo a temporalidade de quando tudo começou, mas se sabe como. Antônio Martiniano Bezerra, vítima do sistema escravocrata e fugido de Palmares com mais três primos, peregrinou até encontrar as terras onde fincou raízes que vingam até hoje. Ele foi quem originou a Comunidade Quilombola Mundo Novo, certificada em 2018 como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. O território acolheu, neste domingo (03/08), uma vivência imersiva proposta pelo País da Cultura Alimentar, dentro da programação do Festival Pernambuco Meu País 2025, uma iniciativa do Governo de Pernambuco por meio da Secretaria de Cultura do Estado (Secult-PE) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). A imersão proporcionou um encontro com a comunidade local através da partilha de práticas alimentares tradicionais, almoço coletivo, troca de experiências culturais e afetivas, além da conexão com o território e suas ricas histórias.
“Há algum tempo a comunidade tem se organizado para estar recebendo, fazendo receptivo do turismo de vivência, de experiência. E como a gente veio aqui pra Buíque com o festival, sempre propomos unir os territórios com as comunidades, principalmente quilombolas e indígenas. E tem algumas preparações que são específicas daqui, como café torrado, isso é algo ancestral, então não é algo de que foi aprendizado, isso vem de muito tempo, de gerações. E é uma prática muito do interior, o café que é torrado com açúcar, o torrado com rapadura, o café com ervas, então é algo que é bem daqui, é o que elas também levam para as pessoas que vêm visitar, né? É uma vivência para experenciar o que é viver aqui. Então a ideia da gente foi justamente assim, passar o dia aqui experienciando, escutando as histórias, o coco, a dança, almoçar aqui, conhecer também como é feita a torra de café, a torra do milho, a produção de fubá, de xerém, a experiência gastronômica também e da comunidade no geral”, explica Diane Sousa, coordenadora de Gastronomia da Secult-PE.
Foto: Simon Filmes/Secult-PE/Fundarpe
Tradição do coco de terreiro é passada de geração para geração
Na Comunidade Quilombola Mundo Novo há duas associações, a Associação Comunitária Quilombola Mundo Novo e a Associação Quilombolas e Descendentes Mundo Novo de Buíque. Unindo a população, há aproximadamente 700 pessoas vivendo na comunidade, desde a chegada de seu Antônio Martiniano Bezerra até as gerações atuais. Pâmela Antunes Bezerra, presidente da Associação Quilombolas e Descendentes e bisneta de seu Antônio, conta que ele e sua esposa Cândida Maria da Conceição viveram por muitos anos no quilombo dando luz a filhos que ganharam o mundo e hoje não se tem notícia. Uma dessas crias é a matriarca Antônia Cândida Bezerra, falecida há 11 anos e quem teve 15 filhos, hoje 11 são vivos, sendo sete mulheres e quatro homens. A mais velha das filhas mulheres é Zilda Bezerra, com 68 anos, e o mais velho entre os homens é José Antunes.
“A partir de quando tivemos o reconhecimento como comunidade quilombola pela Fundação Palmares nós começamos a receber visitantes e turistas. Aqui era um povo que vivia escondido, com medo, com a herança da escravidão, mas que agora começa a receber gente e a se mostrar”. Pâmela conta que quando o bisavô Antônio Martiniano faleceu, a matriarca Antônia Cândida, filha de Antônio e mãe de 15 filhos, “abriu a boca” e começou a contar as histórias que antes eram escondidas a sete chaves como forma de proteção pelo fundador do quilombo: “Quando ele faleceu o pessoal foi começando a se libertar mais”. Pâmela detalha, ainda, que faz pouco tempo que eles começaram a receber gente de fora para vivenciar as histórias do território.
Foto: Simon Filmes/Secult-PE/Fundarpe
O café é feito artesanalmente desde os primórdios, como uma cultural ancestral
Hoje, a Comunidade Quilombola Mundo Novo é desenvolve projetos com os artistas e grupos culturais viajando por outros territórios com apresentações e partilhas de conhecimentos, a exemplo do projeto Escola de Terreiro e das atividades socioambientais como a produção de café artesanal, mel, fubá, xerém e outras comidas tradicionais através da agricultura familiar que envolve organizadamente, em processos e etapas, todos que fazem parte da comunidade. O território é berço do grupo de coco “Resgate da Alegria”, composto por 22 mulheres e quatro homens quilombolas.
Comunidades Quilombolas – Conforme o art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.” São comunidades oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram fugindo, ganhando autonomia e construindo seus próprios territórios.