Mel Gomes estreia em romance com ‘Lázaro’. Foto: Meriely Juliana de Amorim Gomes
“Dorme, meu filho, dorme e sonha. Sonha, que qualquer coisa é melhor do que aqui…” A frase tocante, pronunciada por uma mãe dilacerada ao se despedir do filho, dá o tom de Lázaro, o próximo lançamento da Companhia Editora de Pernambuco. O romance é ambientado na Maré, uma favela no Rio de Janeiro, e Lázaro, preto e pobre, é o personagem que amarra todas as linhas que tecem a história. Racismo, violência, as diversas fases do luto e as políticas de segurança pública, com seus impactos sobre os moradores dos morros, são esmiuçadas pelo escritor pernambucano Mel Gomes em seu livro de estreia na literatura.
A Cepe Editora lança a obra na próxima sexta-feira (18/07), às 19h, no Muafro, no Centro do Recife. “A escolha de Lázaro para personagem e título do livro, veio da sua presença, mesmo em sua ausência. É o personagem com menos espaço no livro, ao mesmo tempo, sua presença permeia toda a narrativa. Seu nome lembra essa conotação religiosa que o livro também traz, mas sem abordar diretamente a religião, e mais suas referências de redenção, fé e milagre. Lázaro é um nome ambíguo de certa forma, uma ambiguidade que penso que o livro aponta mais do que a determina, assim como o personagem”, declara Mel Gomes.
Filho de pais separados, Lázaro é um jovem de 20 anos que mora com a mãe e o irmão mais velho, Luiz. O pai reside na Cidade de Deus e contribui financeiramente para o sustento dos filhos, mas mantém com eles uma relação de encontros esporádicos. A vida do rapaz, da sua família e dos demais ocupantes do Complexo da Maré é afetada por um apagão elétrico, que desencadeia uma ação policial infeliz e acaba numa tragédia: a morte de Lázaro. Cada personagem tem sua história entrecruzada com a catástrofe nos cinco capítulos do livro (164 páginas).
“Não posso estar onde não estive nem ser o que poderia ter sido, então, que culpa eu tenho se não sou o que não fui…”, medita o pai de Lázaro, ao acompanhar o velório. O sofrimento da mãe, desde o apagão – que também tirou a vida de outros jovens negros da favela – até os dias depois do enterro, é acompanhado de perto por Marta, que se empenha em ajudar a amiga, quase uma irmã, a tentar superar a perda do filho, na novela criada por Mel Gomes. Nascido na cidade de Limoeiro (Agreste), em 1996, o autor vive no município de Vicência, na Zona da Mata Norte.
Mãe e pai não têm nome. “Ao não nomeá-los, penso que eles podem se tornar mais genéricos e universais na mesma medida. São personagens muito singulares, têm suas histórias e pontos de vistas, mas, se em alguma medida entendidos como representações também, essa singularidade se transforma em algo um pouco mais social e moral, para além da individualidade que seus nomes poderiam lhes conferir enquanto personagens. Um abre o livro, o outro fecha, e penso que assim se tem uma imagem sobre a história que também se encerra”, diz Mel Gomes.
A morte do personagem é narrada por ele mesmo no quarto capítulo do livro: “O sangue se misturava na lama, ainda corriam e gritavam, talvez ainda estivessem caindo e talvez houvesse balas e abelhas por todas as partes, vindo de todos os lados; pelo breve momento em que morria, talvez ainda não conseguisse entender o que havia acontecido, ainda pensava em correr e voltar e se esconder e virar-se… Seu corpo foi remexido, mãos puxaram suas roupas. Mas nada, o nada em que as palavras não chegam… Os olhos contrariavam e viam um abismo. Ele caiu vendo outros caírem e gritarem como ele gritava, qualquer coisa que os fizessem continuar correndo. Lázaros.”
“O autor Mel Gomes estreia na literatura com um romance que experimenta a combinação de vozes de diferentes narradores para contar uma mesma tragédia. Lázaro é uma costura de pontos de vista sobre uma morte que representa uma das maiores feridas da sociedade brasileira: o genocídio contra a juventude negra. Cada capítulo se ancora na percepção de um personagem, e o escritor também optou por uma espécie de variação estilística nessas diferentes partes da narrativa. O projeto gráfico e a capa de Janio Santos tornam o livro ainda mais interessante”, destaca Gianni Gianni, editora assistente da Cepe.
Sobre o autor – Mel Gomes é assistente social, formado pela Universidade Federal de Pernambuco, e atua na profissão. Começou a escrever em 2017, principalmente contos para resgatar histórias do lugar onde cresceu, “motivado pelo desejo de memória e encantamento que a literatura proporciona.” Publicou um conto na revista Aboio, com o título Recomeços e Raízes, em 2024.
Serviço
O quê: Lançamento de Lázaro, com bate-papo entre Mel Gomes e o professor de Serviço Social na UFPE Adilson Silveira Júnior
Quando: 18 de julho (sexta-feira), às 19h
Onde: Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro (Muafro) – Rua Mariz e Barros, 328, Bairro do Recife
Preço do livro: R$ 55 (impresso)