Se o dito popular é que o ano começa depois do Carnaval, para muitos fazedores e apreciadores da cultura popular pernambucana os novos tempos se iniciam verdadeiramente no Dia de Reis. Data em que se encerra oficialmente o ciclo natalino, o 6 de janeiro é marcado pelos tradicionais desfiles de pastoris e queimas de lapinhas, com uma forte simbologia de renovação.
Um dos grupos de pastoril mais tradicional é o Estrela de Belém, comandado por Mestra Ana Lúcia, em Olinda. E como todo ano, o grupo irá se apresentar no próximo dia 6, a partir das 20h, num cortejo que se inicia na praça de Amaro Branco e segue até a Praça do Carmo. Patrimônio Vivo de Pernambuco, a mestra segue aos 80 anos guiando o grupo de 30 crianças e adolescentes e mantendo viva a tradição secular iniciada pelo seu avô.
“Estamos na quinta geração já da família que participa do pastoril de minha mãe. Ela começou criança e já faz uns 50 anos que está à frente do grupo. Esse folguedo é muito importante para nós porque é uma cultura que move a comunidade. Sabemos da importância dessa tradição e minha mãe faz de tudo para continuar todo ano. São cerca de 30 meninas pra quem garantimos as idas e vindas aos ensaios, lanche, figurino, tudo”, conta a filha de Ana Lúcia e brincante, Totoca.
A preparação é longa e exige dedicação, mas é feita com muito afeto e estímulo. Os ensaios costumam começar em setembro e acontecem ao longo da semana toda. “Esse pastoril é tudo pra gente, é uma tradição que fala de Jesus, da presença divina, só de coisas boas. Quando a lapinha está queimando é muito emocionante, a gente sente uma saudade já”, ressalta Totoca.
Priscilla Buhr/ Acervo Fundarpe/ Secult-PE
Queima da lapinha
O Pastoril
O Estrela de Belém integra a tradição cristã do pastoril religioso com origem na Idade Média e trazida para o Nordeste durante a colonização. A apresentação encena o nascimento do menino Jesus com muita música, performances teatrais e aguardada queima da lapinha.
O cordão azul, o cordão encarnado e a figura de Diana são elementos imprescindíveis em qualquer pastoril. As cores azul e vermelho do pastoril representam a disputa entre cristãos e mouros, que se referem às lutas travadas na Península Ibérica. E Diana, vestida com as duas cores, traz a harmonia.
Já a queima da lapinha faz alusão à manjedoura onde Jesus nasceu e ao dia em que ele foi visitado pelos três reis magos, Dia de Reis. Feita de folhagens secas e incensos, a Lapinha é queimada para consagrar ao fogo esperanças e desejos. Por isso que as pessoas que estão assistindo à apresentação são convidadas a escrever pedidos em pedaços de papel. Os mesmos são queimados no fogo para espalhar aos ventos os desejos para o ano que acaba de se iniciar.
Mestra Ana Lúcia
Rodeada de mestres e mestras da cultura popular do Amaro Branco, Ana Lúcia Nunes da Silva nasceu em 29 de março de 1944.Coquista de roda, líder do pastoril Estrela de Belém e do Acorda Povo, tradicional procissão dançante que antecede os festejos juninos e recria o batismo de Jesus Cristo por São João Batista, de quem a mestra é devota.
Em sua trajetória como coquista mulher, a Mestra enfrentou machismo por liderar um grupo de coco, função a qual, historicamente, era ocupada por homens. Mas, Ana Lúcia se impôs contra essas barreiras e, com amor e dedicação, insistiu na sua vocação. Por anos, assumiu o Coco do Amaro Branco, e posteriormente fundou o Raízes do Coco. Sua métrica e energia vocal nos embalam ao som da zabumba, do ganzá e do pandeiro.
Por meio de sua música, participou de vários eventos culturais de relevância, como o Festival Brasília de Cultura Popular, Encontro de Coco Pernambucano, São Sambas, na Concha Acústica da UFPE, e o Encontro de Mestres das Culturas Populares – Folclorata, em Minas Gerais. Também está no filme “O Coco, A Roda, O Pneu e o Farol”, dirigido por Mariana Brennand Fortez, realizado no ano de 2007.
PH Reinaux / Acervo Secult-PE e Fundarpe
Mestra Ana Lúcia